COMPENSAÇÃO

Riscou o isqueiro. A chama dançante era um convite irrecusável para uma dança entre a vida e a morte. Aproximou-o do cigarro entre os lábios. Deu a primeira tragada e a nicotina lhe deu o efeito desejado: paz. Uma paz contada, cronometrada dentro do tempo necessário até aquele cilindro de papel e mato se tornar nada além de cinzas.
Seus olhos desviaram para o além. Não havia motivos para se identificar como ele ou ela. Era uma pessoa comum, alguém que sentia necessidade de se livrar de fardos que seus ombros já não suportavam mais carregar.
Foi como encontrou certo conforto: apodrecendo-se de dentro para fora.
Mórbido? Com certeza! Mas a perspectiva de canalizar suas angústias e temores e baforá-las como nuvens de fumaça era o que tinha de melhor a fazer.
Compensação era a palavra de ordem. Julgava-se por isso, mas não se odiava mais. Na verdade, talvez, nunca tenha chegado a se odiar pelo vício.
A raiva era algo intrínseco a sua vida de forma diferente. O tabaco era apenas uma forma de minimizar seus sentimentos autodestrutivos.
“Que forma imbecil”, você deve estar pensando.
Não era possível negar.
Seus olhos corriam de um lado a outro, a mente estava vazia, como raras as vezes. Nenhum pensamento ruim, nenhuma dor se sobrepondo, nenhuma ira, nenhuma culpa. Tudo era apagado, ou melhor, queimado pela brasa e cuspido aos céus.
Os erros cometidos, as dores sofridas, as culpas rasgantes, a ideia de ser o perfeito. Tudo se transformava em cinzas. Sobravam apenas resquícios em seu pulmão. Sobras essas que, apesar de lhe carbonizarem, também eram ligeiramente esquecidas.
Talvez, apenas talvez, não houvesse mais motivos para compensar sua ruína. Mas, no fundo sabia, precisava compensar pelo que viria, e, depois, compensar pela culpa da compensação.
Ao fim de mais uma terapia que nenhum psicólogo aprovaria, jogou a bituca na rua e voltou para dentro de casa.
O cheiro e o gosto amargo era a única lembrança de uma compensação.


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